Nada é tão espetacular quanto ao momento em que nossos sentidos percebem, na
boca, que determinado “bom” vinho está sendo a companhia ideal para determinado
“bom” prato. A união dos prazeres conferidos por um e outro é maior do que a
simples soma das sensações – transforma-se numa nova emoção!
Na harmonização entre comida e
vinho, não há regras! Talvez princípios! Mas inovar é sempre interessante!
Alguns destes princípios diz
respeito ao gosto de cada pessoa! Algo muito particular! Coma e beba aquilo que
te deixa feliz!
As harmonizações regionais sempre
devem ser respeitadas, afinal o prato e o vinho de uma determinada região estão
juntos há muito tempo, e alguma razão bem saborosa deve existir!
Cada prato e cada vinho se destacam
por seus sabores básicos. A identificação dos sabores é principalmente uma
função da língua, embora outras regiões, como a faringe e o palato, tenham
alguma sensibilidade. Na superfície da língua, existem inúmeros papilas
gustativas, cujas células sensoriais percebem os quatros sabores básicos –
ácido, amargo, salgado e doce. Eles são sentidos em toda a superfície da
língua, mas, para efeito didático, podemos considerar uma concentração conforme
a figura abaixo:
ÁCIDO
É detectado nas laterais da
língua, sendo elemento comum do vinho e da comida. Os ácidos naturais conferem
acidez ou azedume à comida ou ao vinho. A acidez provoca a sensação de
refrescância, sendo um meio condutor de aromas. Um bom indicativo de acidez de
um vinho é o seu brilho: quanto mais brilhante o vinho, maior a acidez.
AMARGO
Corresponde a uma sensação de
ausência de doçura, que se percebe ao engolir tanto o vinho como a comida. É
comum em alguns vegetais (como endívia e rúcula), ervas, condimentos e comida
tostada. O exemplo clássico é o chá preto. O amargo aparece em muitas comidas
durante o cozimento, especialmente em altas temperaturas. Isso também ocorre
quando, em vez de dar uma ligeira infusão em um chá, nós o deixamos ferver. O
amargor é percebido especialmente na parte de trás da língua.
SALGADO
Não é perceptível em todos os
vinhos, somente em alguns brancos com grande mineralidade, mas na comida é
elemento importante, porque realça os outros sabores básicos. Algumas pessoas
colocam um pouco de sal em frutas ácidas (manga verde ou laranja) para torna-las
mais suaves ao paladar. A sensação de salgado aparece mais no centro da língua.
DOCE
A maioria das pessoas detecta-o
na ponta da língua. É encontrado em muitas comidas e vinhos em diferentes
níveis. Frequentemente, legumes e, com certeza, frutas podem acrescentar um
grau de doçura à comida. O sabor doce é notado também nos componentes
aromáticos frutados dos vinhos, nos aromas de tostado da madeira e no álcool.
Nossas expectativas individuais determinam a conveniência dos níveis de doçura.
COMPONENTES E TEXTURAS
As comidas e os vinhos apresentam
uma gama variada de componentes e texturas cujo conhecimento é decisivo para a
harmonização. Pratos e bebidas podem ter tendência à acidez, à doçura, ao
amargor.
Alimentos podem, além disso, ser menos ou mais salgados. A textura leva em conta os
componentes gustativos, como gordura, suculência e intensidade do sabor. Um
ossobuco sobre risoto de açafrão ficará bem na presença de um tinto jovem do
Novo Mundo, com bom corpo. Nesse prato, que costuma ter bastante tempero e é
rico em gorduras, os taninos do vinho vão se envolver com a untuosidade da
comida e parecer mais macios.
E como se comportam os elementos
relacionados aos componentes dos alimentos e do vinho?
ACIDEZ
A acidez, sensação picante que
nos faz salivar, está presente tanto nos alimentos quanto nos brancos e tintos.
Por isso, um vinho aparentemente demasiado ácido para se beber sozinho pode
trabalhar muito bem em conjunto com a comida. Ao procurar uma combinação
agradável para um prato rico, salgado, gorduroso ou com um pouco de
especiarias, um vinho com boa acidez será eficaz e refrescante. É o que poderia
se chamar de regra do “toque do limão”. Uma espremida de limão pode acentuar a
riqueza de um prato ou cortar o excesso de sal de outro (por exemplo, controlar
a salmoura dos frutos do mar). Um vinho com boa acidez pode cumprir o mesmo
papel. Também harmoniza bem com pratos com molhos à base de creme de leite ou
manteiga, com peixes oleosos ou de sabor forte, com crustáceos e com qualquer
tipo de fritura por imersão.
Vinhos com boa acidez sãos os
melhores para harmonizar com pratos ácidos. Um Sauvignon Blanc é ideal para
salada de frutas do mar. Ingredientes ácidos como o tomate, a alcaparra e o
alho-poró harmonizam melhor com vinhos que tenham acidez semelhante. Um vinho
com menor acidez que a do prato parecerá sem corpo, magro, e desaparecerá.
Portanto, quando servir o vinho com pratos ou ingredientes ácidos, procure
oferecer um vinho mais ácido!
“A acidez traz à tona a
integridade de ingredientes simples e bons”
Comparamos a acidez de um vinho a
uma caneta marca-texto. Uma passada da caneta marca-texto faz o trecho grifado
se destacar na página. A acidez do vinho pode provocar o mesmo efeito com a
comida, destacando a essência do aroma de algum ingrediente. O milho, o tomate
maduro, os crustáceos e a mozarela fresca ganham uma nova dimensão quando
harmonizados com um vinho ácido e descomplicado, que faz aromas vibrantes e
deliciosos saltarem desses alimentos.
DOÇURA
Vinhos têm diferentes níveis de
açúcar, podendo ser levemente doces ou meio-secos. Normalmente, achamos traços
de doçura em Rieslings, Chenin Blancs, Gewürztraminers, Muscats leves e em
alguns estilos de espumantes.
“A doçura é um bom contrapeso
para moderar especiarias”
Muitas receitas asiáticas, como o
picante churrasco de frango coreano ou o porco chinês de duas cocções, não
precisam ser acompanhados exclusivamente de cerveja. Nesses casos, um vinho com
baixo a médio teor de açúcar trará um bom contraste e domará a ferocidade do
calor gerado pelo uso de especiarias, até mesmo aliviando a sensação de
queimação causada pela pimenta.
“A doçura do vinho pode
complementar a leve doçura da comida”
É o caso de vinhos levemente
adocicados com pratos acompanhados de chutneys, molhos feitos com frutas
frescas ou secas (reidratadas); o aroma das frutas ressoa bem com a maioria
desses vinhos.
“Doçura pode ser eficaz no
contraste com sal”
Essa é a regra por trás da
harmonização do vinho doce francês Sauternes com roquefort, ou outro queijo
azul, e do vinho do Porto Vintage com stilton. No entanto, esse gênero de
harmonização requer experimentações, já que nem todas as combinações são boas.
“Vinhos de sobremesa devem ser
mais doces que a sobremesa”
O conteúdo dessa regra é óbvio
para quem já foi a um casamento e teve a infeliz experiência de provar um caro
Champagne Brut com um pedaço de bolo, cheio de creme de manteiga. O Champagne
subitamente se transformará em uma água com gás azeda. No mínimo, os níveis de
doçura do vinho e da sobremesa devem se equiparar. Também sobremesas à base de
frutas são mais compatíveis com os vinhos de sobremesa. Evite cremes de
manteiga muito doces e espessos com espumantes.
SALGADO
Assim como para a saúde das
pessoas, o sal na harmonização de vinho e comida é importante e necessário em
pequenas quantidades. De maneira análoga à dos médicos, que pedem para se
prestar atenção ao consumo de sódio, à mesa você precisa estar atento à
quantidade de sal nos pratos e como isso afetará a escolha do vinho. Para
melhor aproveitamento do vinho, o gosto salgado deve ser reduzido e não
ampliado.
“O salgado é atenuado pela acidez
do vinho”
Vinhos brancos e espumantes, como
regra, são naturalmente mais ácidos e, portanto, combinam melhor com pratos
salgados que qualquer tinto. Por exemplo, a acidez de um Pinot Grigio jovem é
um contraste refrescante para uma lula empanada ou um peixe assado em crosta de
sal.
“A percepção do sal é aumentada
pelo tanino”
O tanino é a substância que dá o
sabor amargo e a textura adstringente ao tinto. O tanino vai, normalmente,
acentuar o excesso de sal, resultando numa harmonização tão charmosa quanto
chupar uma pedra de sal, especialmente quando se está servindo um vinho tinto
encorpado e rico em taninos. Por isso, não é qualquer tinto que combina bem com
o bacalhau – embora em Portugal seja essa a preferência. Tintos macios e
brancos amadeirados costumam fazer boa companhia ao peixe salgado, tão
apreciado lá como aqui no Brasil.
“O álcool é acentuado pelo sal”
A forte presença de sal na comida
fará com que o vinho pareça ter mais teor alcoólico (ser mais quente) que na
realidade. É importante tomar conhecimento disso, pois você não gostaria que o
vinho escolhido para harmonizar com o prato se assemelhasse a uma vodka. Grande
quantidade de especiarias também tornará o vinho mais quente; beber um vinho
tinto encorpado com um chilli é o caminho certo para uma azia.
“Pratos salgados podem ser
contrabalançados por vinhos meio-secos ou doces”
O salgado e o doce juntos são
como mágica. Embora nem todas as pessoas pensem dessa forma, há vários
exemplos: torta de peixe tailandesa com molho agridoce apimentado, presunto com
mostarda e fast-foods salgados com ketchup harmonizam com vinhos doces ou
meio-secos; se a combinação ficar apagada, tente colocar uma pitada de sal no
prato. Ocasionalmente, essa adição de sal poderá reavivar a presença do vinho.
AMARGOR
Alguns alimentos, como certos
vegetais, apresentam amargor ao serem provados. Com determinados vinhos,
especialmente os tintos, acontece a mesma coisa. Às vezes, é um pequeno travo
típico, que não chega a incomodar. Há casos, entretanto, que o amargor, no meio
da boca ou no final, é bastante perceptivo, e não é exatamente uma qualidade da
bebida.
“O excesso de madeira não faz bem
ao vinho”
Nos tintos, o traço desagradável
é provocado principalmente pela vinificação de uvas que não atingiram sua plena
maturação fenólica ou pelo excesso de madeira. Para haver equilíbrio, o repouso
nas barricas de carvalho deve ser proporcional à concentração de fruta e à
estrutura desejada. A madeira em demasia passas taninos indesejados ao vinho. O
tanino é elemento importante na composição dos tintos, desde que maduro.
“Carnes vermelhas ajudam a domar
os taninos”
Há tintos menos e mais taninosos.
Do ponto de vista da química, eles se ligam às proteínas. Por isso, acomodam-se
muito agradavelmente às carnes vermelhas, aos molhos ricos e aos queijos de
pasta dura. Tomados sozinhos, ou com um alimento leve, pobre em proteínas, os
taninos vão buscar liga em outro lugar. Sabe onde? Nas proteínas da saliva, que
perde assim suas propriedades lubrificantes, provocando aquela sensação
adstringente, que amarra a boca como uma fruta verde.
Bem, depois de conhecermos os princípios básicos para uma boa relação entre a comida e o vinho, avançaremos para outros conceitos num segundo artigo!
Adelante!